Sigaud Gestão e Capacitação Empresarial

SIGAUD GESTÃO E CAPACITAÇÃO EMPRESARIAL

Educação e qualidade

Educação e Qualidade

Conceitos, críticas e relação entre educação e qualidade (texto retirado da Dissertação de Mestrado do autor = Avaliação ex-post do Programa Gestão Escolar de Qualidade no Brasil (2017)

Educação e qualidade

A necessidade de uma melhoria na qualidade da educação tem sido contínua e crescentemente merecedora de ênfase especial. Tal constatação é particularmente notória nos países em desenvolvimento ou naqueles considerados subdesenvolvidos. O tema tem sido destacado pela imprensa brasileira, por organizações da sociedade civil, mais notadamente as ligadas à educação. O termo educação de qualidade aparece na convenção de Dakar, anteriormente citada, nas metas educativas da OEI, na nossa Constituição Federal e na nos projetos pedagógicos das escolas brasileiras.

É explícita a defasagem do ensino escolar brasileiro em relação a outros países, mesmo na América Latina, com fortes impactos em todas as áreas que demandam formação adequada: trabalho, cultura, produção intelectual, produtividade, ciência, saúde, inovação, entre outras. Faz-se, entretanto, necessário que saibamos conceituar a qualidade que julgamos relevante atingir. Ferreira (2010) define assim qualidade: “1 – Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas, que as distingue das outras e lhes determina a natureza; 2 – Superioridade, excelência de alguém ou de algo; 3 – Dote, virtude; 4 – Condição social, civil, jurídica, etc.; casta, laia” (Ferreira, 2010, p. 627).

Por essa definição, a qualidade dependerá sempre de uma referência norteadora para um atributo superior ou de excelência, ou para uma condição social desejável. Neste sentido, qualidade é frequentemente considerada um atributo subjetivo por ser determinada por necessidades e percepções pessoais. Como decidir pela qualidade de uma fruta, por exemplo? Pelo paladar, pela aparência? Deste modo, a qualidade da fruta ficará avaliada de acordo com a preferência de quem for comê-la e não de acordo com uma propriedade intrínseca.

No contexto do universo corporativo, Lobos (1991) aborda o tema qualidade sobre a ótica de processo:

Qualidade tem a ver, primordialmente, com o processo pelo qual os produtos ou serviços são materializados. Se o processo for bem realizado, um bom produto final advirá naturalmente. A Qualidade reside no que se faz – aliás – em tudo o que se faz – e não apenas no que se tem como consequência disso (Lobos,1991, como citado em Espuny, 2008).

Essa abordagem, mais afeita ao mundo corporativo, sofreu influência da corrente ligada à gestão da qualidade ou qualidade total, cujos principais autores / influenciadores foram Shewhart, Deming, Ishikawa, Juran, Feigenbaun, entre outros. Um dos principais conceitos de qualidade relacionados a essa corrente é de que “qualidade é adequação ao uso” (Juran, 1974, como citado em Marshall, Cierco, Rocha, & Mota, 2003, p.28). Essa adequação, entretanto, dependerá da perspectiva de cada usuário e significará tanto uma qualidade percebida como ausência de deficiências em produtos.

Eduação e Qualidade

Demo afirma que é equivocado confrontar os conceitos de qualidade e quantidade, “pela simples razão de que ambas as dimensões fazem parte da realidade e da vida” (1994, p.9). Associa quantidade com extensão (vida longa, tamanho da casa, valor do salário) e qualidade com dimensão da intensidade (viver bem, aconchego do lar, necessidades atendidas). Não se trata de propriedades mutuamente exclusivas, mas de coexistência. O autor exemplifica, entre outros, que comer muito não significa comer bem, mas é preciso comer bem e se sustentar. Conceitua que qualidade tem relação com profundidade, perfeição. Está mais para o ser do que para o ter. Outro autor que reforça tal abordagem é Adolfo Stubrin (2008, como citado em Dias Sobrinho).

É possível criar uma associação como a de Demo em relação aos rankings do Produto Interno Bruto (PIB), da Prova Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil ficou, em 2015, com o nono maior PIB do mundo. No mesmo ano, de acordo com a OCDE, o país ficou com a 59ª colocação na prova de leitura do PISA, sendo esta a melhor colocação entre as três provas (Leitura, Ciências e Matemática). Em 2015, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou o ranking do IDH global com o Brasil na 79ª colocação. Assim, fica claro que a boa colocação do país entre os maiores produtos internos brutos do mundo (quantidade) não está necessariamente associada a resultados da educação e desenvolvimento humano.

Em relação à educação, Dourado, Oliveira, e Santos afirmam que a qualidade da educação é “um fenômeno complexo, abrangente, e que envolve múltiplas dimensões” (2007, p.9). Esses mesmos autores citam diversos estudos que ressaltam a discussão de elementos objetivos e subjetivos para caracterizar uma escola eficaz ou de qualidade. As variáveis ou fatores relacionados ao desempenho escolar são tratados de forma mais abrangente, neste referencial teórico, no item 2.5.

Em uma publicação em seu site no Brasil, a Unesco aponta como componente-chave da qualidade de educação a promoção da “aprendizagem durante a vida e habilidades e competências para toda a vida”.

Cumpre destacar que todos os organismos multilaterais ligados à educação, como a própria Unesco, assim como o Plano Nacional de Educação brasileiro, colocam qualidade educacional ao lado de equidade educativa. A Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) destaca a associação histórica da equidade com “igualdade de oportunidade e justiça social”. Entretanto, acrescenta uma perspectiva educacional mais atual de uma “atenção diferenciada que facilite a retenção e equipare as condições de êxito entre todos os setores sociais”. Já a Unesco afirma que a qualidade da educação é “fator de promoção da equidade, destacando-se o impacto das experiências educativas na vida das pessoas e na contribuição para a promoção da igualdade de oportunidades”. Demo (1996, p.17) sugere não se utilizar a expressão “igualdade de oportunidades”, mas de “equalização de oportunidades”, dada a grande desigualdade na sociedade brasileira.

De acordo com o Banco Mundial, em 2014, o índice de Gini, utilizado para medir o grau de concentração de renda / desigualdade social, do Brasil ficou na 10ª pior colocação, dentre os países avaliados. Naquele ano, o índice foi de 0,515, sendo que, quanto mais próximo da unidade, pior a desigualdade. A Ucrânia, com o melhor índice, obteve 0,241. O índice brasileiro vem caindo nos últimos 10 anos, entretanto continua elevado, associando-se a desigualdade aos baixos resultados no PISA. Assim, os desafios relacionados à qualidade e equidade educativas apresentam-se bastante elevados.

Demo distingue (não segrega) a qualidade entre a formal (aquela relacionada à produção do conhecimento) e a política (que tem relação com a competência do sujeito em se fazer e fazer história, de participar). As duas são faces de um todo. “Conhecimento sem qualidade política resvala para a implantação da agressão e do privilégio, pois perde a noção ética e serve a qualquer ideologia” (1994, p.14). Para Demo, a educação tem sido o termo para designar qualidade, por uma série de razões, por estar na base da formação do sujeito histórico criativo, ela (educação) perfaz a estratégia mais decisiva de fazer oportunidade.

Demo (1994) aponta, como já citado, um importante fator relacionado à educação: o fator ideológico. A própria complexidade da educação, por si só, como já visto, dificulta bastante a tangibilidade do que seria qualidade educacional. Quando acrescentado o fator ideológico, a questão se complica ainda mais. Esse viés ideológico pode sofrer interferência da visão de mundo desde os documentos nacionais norteadores para a educação (por exemplo, as diretrizes curriculares nacionais), passando pelos gestores das redes de ensino (públicas ou privadas) e, especialmente, pelo próprio professor, que pode doutrinar seus alunos a partir de suas concepções.

O Ministério da Educação brasileiro (MEC), por exemplo, em uma apostila destinada aos Conselhos Escolares (públicos), em 2004, faz duras críticas ao surgimento de modelos de gestão empresarial na área educacional. Associa a qualidade total e todas as suas vertentes ao desenvolvimento de padrões elitistas e excludentes ditados pelo mercado. De acordo com essa publicação, “esses padrões acabam por fazer com que a educação contribua para aumentar as desigualdades existentes no Brasil”.

Na mesma linha, Demo, ao buscar conceituar qualidade, afirma: “Parece estar esvaziando-se o conceito de qualidade total, contraditório em si, porque, dialeticamente falando, nada é total. Descartamos essa perspectiva aqui também, porque no mercado é geralmente propaganda enganosa, já que os trabalhadores dificilmente lucram alguma coisa com ela” (2013, p.108).

A reação de importantes autores da área educacional à escola da qualidade total está inserida em sua visão demasiadamente corporativista e mercantilista, sendo que, conforme aborda Dias Sobrinho (2008), a educação é um bem público, inegociável, ainda que possa ser conduzida pela iniciativa privada. É dever do estado garantir educação de qualidade.

Ramos (1999), que produziu livros defendendo a adoção de princípios da gestão da qualidade na educação, acredita que as escolas que aderirem à filosofia da qualidade terão sucesso no longo prazo, precisando, para isso, associar educação da equipe do colégio com o próprio processo educativo da escola.

Godoy (2015) ressalta a importância de metodologias de gestão no universo educacional, destacando a importância de se colocar foco nos resultados, de forma permanente.

Ao abordar a necessidade de melhoria da qualidade educacional e a definição de padrões de qualidade, Luck (2013) afirma:

A questão da qualidade e a proposição de padrões de qualidade provocam, entre determinado grupo de profissionais da educação, fortes reações e rejeição, por associar essa questão à engenharia da qualidade desenvolvida no âmbito das empresas. É importante, no entanto, destacar que essa rejeição é estabelecida a partir de generalizações ligeiras e superficiais a respeito. É importante reconhecer que o conceito de qualidade e os mecanismos associados a esse conceito são fundamentais para o empreendimento humano em qualquer área ou setor. Entender isso não representa, no entanto, banalizar ou aligeirar o empreendimento e sua qualidade. … portanto, em vez de rejeitar a questão, torna-se importante aprofundar o seu entendimento e construir a lógica da qualidade do ensino, para além do apelo meramente verbal que tem sido característica de discursos e documento da educação (Luck, 2013, p.24).

Naturalmente, sendo a própria educação uma das principais áreas demandantes de políticas públicas, retirar o viés político e ideológico da mesma é desconsiderar a natureza da própria política. Demo afirma que “ideologia é parte intrínseca do processo de conhecimento, em particular no sujeito, sempre ente político por definição” (1994, p.35).

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